A nacionalidade do sucessor de Bento 16 é uma das questões mais discutidas nesta fase pré-conclave. É a hora de os italianos voltarem ao Trono de Pedro? Chegou a vez de um não-europeu ser eleito papa? É a hora do antigo “Terceiro Mundo”? Que tal um papa africano?
O cardeal e arcebispo emérito de Washington (EUA) Theodore McCarrick lembrou à “National Catholic Reporter” (clique aqui, texto em inglês) que dois terços dos católicos estão fora da Europa e dos Estados Unidos. Sob esse ponto de vista, ele argumenta que a Igreja está preparada para um papa não-europeu.
Mas a questão chave é: será que o Colégio dos Cardeais está preparado para fazer uma mudança deste tipo? O problema passa pela distorção no número de votantes. O Brasil, o maior país católico do mundo, tem cinco cardeais votantes. A Itália, 28. Os Estados Unidos, 11.
Há uma série de vantagens e desvantagens em relação às nacionalidades ou grupos nacionais, como pode ser observado, sinteticamente, a seguir:
Italianos
Vantagens
- Estão mais próximos do Vaticano.
- Conhecem bem o funcionamento da máquina burocrática da Igreja Católica.
Desvantagens
- Muitos nomes estão associados às crises que vem atingindo a Igreja, principalmente ao Vatileaks.
- Tendem a refletir um pensamento da Igreja enquanto instituição e não como corpo de fieis.
Europeus não-italianos
Vantagens
- A proximidade do Vaticano
- Conhecem mais aprofundadamente um dos principais problemas: a fuga de fieis
Desvantagens
- Seria o terceiro europeu não-italiano a ocupar o Trono de Pedro desde 1978. Já houve um polonês e um alemão.
- As Igrejas da Europa estão cada vez mais vazias.
Estados Unidos
Vantagens
- População hispânica, que está em crescimento, dá um certo vigor ao catolicismo americano. Os hispânicos estão começando a ocupar dioceses importantes nos Estados Unidos, como a de Los Angeles, por exemplo.
Desvantagens
- Nome associado ao da única superpotência
América do Norte (exceto EUA)
Vantagens
- Tem nomes fortes
- Grande tradição católica, principalmente no México
Desvantagens
- Nomes, principalmente no México, associados ao escândalo na congregação religiosa Legionários de Cristo.
América Central e do Sul (exceto Brasil)
Vantagens
- Forte tradição católica.
- Maior preocupação com causas sociais e proximidade com os fieis.
Desvantagens
- Região foi influenciada pela teologia da libertação.
- Faltam nomes de peso
Brasil
Vantagens
- Brasil é o maior país católico do mundo.
- Maior preocupação com causas sociais e proximidade com os fieis.
Desvantagens
- Há uma desconfiança por causa da influência da teologia da libertação, linha combatida por Joseph Ratzinger, enquanto prefeito para a Congregação da Doutrina da Fé.
- Falta de um nome forte, mesmo com um cardeal, João Braz de Aviz, fazendo parte da Cúria (nos dois conclaves de 1978, os cardeais Paulo Evaristo, arcebispo de São Paulo, e Aloísio Lorscheider, arcebispo de Fortaleza, foram lembrados como candidatos e/ou tiveram papel relevante nas discussões. Em 2005, um dos nomes cotados foi o do cardeal Cláudio Hummes, então arcebispo de São Paulo).
África
Vantagens
- É a região em que o catolicismo mais cresce.
- Maior preocupação com causas sociais e proximidade com os fieis.
Desvantagens
- Muitos nomes tem forte influência romana, por terem exercido cargos na Cúria ou por terem sido apadrinhados por importantes figuras do Vaticano. Podem ser mais romanos do que africanos.
Ásia
Vantagens
- Maior preocupação com causas sociais e proximidade com os fieis.
Desvantagens
- É a região que, proporcionalmente, tem o menor número de católicos. Somente em um país, as Filipinas – colonizadas pela Espanha e EUA -, eles representam a maioria.
Até 1870, com a unificação da Itália, o papa era o governante de um país: os Estados Pontifícios. Só a partir da ocupação destes pela Itália, durante o papado de Pio 9, é que a Igreja Católica, enquanto instituição, começou a globalizar-se de fato. Ou seja, começou a se aproximar com mais vigor dos fieis em todo o mundo
A questão da nacionalidade do papa começou a ganhar força no conclave de 1922, quando o cardeal holandês Willem van Rossum, então prefeito da Congregação da Fé – também conhecida como Propaganda Fidae – chegou a ser cotado como potencial candidato e recebeu votos. No final das contas, ele foi o grande eleitor de Achille Ratti, arcebispo de Milão (Itália), que se tornou Pio 11.
Outro nome não-italiano que chegou a ser cotado como alternativa conservadora (contrária à linha mais conciliadora do recém-falecido papa Bento 15) foi o do cardeal anglo-espanhol Rafael Merry del Val, que foi Secretário de Estado no pontificado de Pio 9º.
O tema voltou a ganhar força em 1958 (No conclave de 1939, havia uma escolha óbvia: o cardeal Eugenio Pacelli, o secretário de Estado de Pio 11, que escolheu o nome de Pio 12). O cardeal e patriarca armênio da Cilícia, Gregorie-Pierre XV Agagianian, nascido na Georgia, foi o principal rival do patriarca de Veneza Angelo Roncalli, que seria João 23. “Nossos votos subiam e desciam como feijões em uma panela”, lembrou o papa em suas memórias.
Tanto Van Rossum quanto Merry de Val e Agagianian construiram sua carreira em Roma. Nenhum deles foi bispo ou arcebispo de uma diocese.
As discussões se tornaram fortes no segundo conclave de 1978. Após o fracasso de Giovanni Benelli, arcebispo de Florença (Itália) e homem-forte do pontificado de Paulo 6, em conquistar a maioria dos votos, o arcebispo de Viena (Áustria), Franz König, propôs o nome de Karol Wojtyla, arcebispo de Cracóvia (Polônia), para o cargo. Ele já tinha recebido votos no conclave anterior. A estratégia mostrou-se acertada. Ele passaria à história como João Paulo 2.